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Entrevista com o Professor Garabed Kenchian para o portal do Soutec

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Em uma entrevista exclusiva para o portal do SouTec, o Prof. Garabed Kenchian, referência nacional em Educação Profissional e Tecnológica (EPT), que foi consultor do MEC na produção do Anuário Estatístico da Educação Profissional e Tecnológica, compartilhou insights valiosos sobre o cenário atual e os desafios da EPT no Brasil.

Bacharel e Mestre em Física pela USP e Doutor em Ciências, professor titular aposentado do Instituto Federal de São Paulo, o professor Kenchian ocupou diversas posições de gestão na EPT, como Diretor Geral do Centro Federal de SP e Reitor do Instituto Federal de Brasília.

De acordo com o professor Kenchian, a EPT é essencial para formar cidadãos capazes de transformar a sociedade, preparando-os para trabalhos de alta complexidade e impulsionando o empreendedorismo. Ele ressalta que a integração do conhecimento científico com a prática laboral prepara os alunos não só para os desafios do presente, mas também para antecipar e responder às necessidades futuras do mercado de trabalho.

O Brasil conta com uma boa rede de instituições de EPT, abrangendo a Rede Federal, redes estaduais e organizações como SENAI e SENAC. No entanto, o Professor ressalta que apenas 10% do Ensino Médio no Brasil está vinculado à formação profissional, um contraste com os 40% observados em países da OCDE. Isso indica a oportunidade de expansão da oferta.

Desafios de expansão e alinhamento

Um dos grandes desafios para a EPT no Brasil é, portanto, a expansão da oferta educacional para atender a uma maior parcela da população e à demanda do mercado. O prof. Kenchian ressalta a complexidade de alinhar a oferta de cursos com as demandas específicas de cada região, o que envolve um processo cuidadoso na seleção de cursos, adequação das infraestruturas escolares, formação de professores e na permanente interlocução da escola com o setor produtivo.

Além disso, hoje em dia e cada vez mais, as profissões têm curta duração, ele enfatiza. Então, os gestores da EPT precisam ter esse olhar crítico e prospectivo e serem ágeis para mudar e realinhar a oferta de cursos ao que a sociedade e o mercado precisam.

Para o professor, é importante entendermos que a EPT deve atender às demandas da sociedade, lembrando que o setor

produtivo também faz parte desta sociedade.

Contribuições do Anuário Estatístico

O professor destaca que, ao chegar ao MEC, observou que as estatísticas se concentravam principalmente na educação formal. Para resolver isso, contribuiu para a criação do Anuário Estatístico da Educação Profissional e Tecnológica, uma ferramenta que buscou sistematizar e equalizar os dados da oferta de matrículas.

O Anuário deu visibilidade a algumas informações importantes e até curiosas, como por exemplo: o curso técnico com maior números de matrículas do Brasil é o de Enfermagem; são cerca de 400 mil matrículas, ou 20% de toda a oferta, que gira em torno dos 2 milhões de matrículas em 2023. Cerca de 80 % desta oferta está no setor privado. Os cursos voltados para atender às demandas da indústria, por exemplo, ficam abaixo do décimo lugar nesse ranking de matrículas.

Outro cenário que o Anuário identificou: . Pouco mais de 40% das matrículas em EPT estão na rede privada. Isso inclui, por exemplo, instituições como o SENAI e o SENAC, por exemplo, que ofertam cerca de 12% do total de matrículas. . Outros 40% em média são ofertas das redes estaduais. . Cerca de 15% vêm da rede federal.

Identificar quem prepara estes profissionais também é interessante, por exemplo: . Nos eixos tecnológicos de Controle e Processos Industriais, cerca de 50% das matrículas estão na rede privada. . Já no eixo de Recursos naturais, que inclui os cursos de agropecuária, cerca de 80% das matrículas pertencem a instituições públicas.

O prof. Garabed observou ainda que, nos Cursos Superiores de Tecnologia, houve um crescimento vigoroso do número de matrículas a partir de 2016. O motivo? A expansão da oferta de cursos na modalidade de Educação a Distância, com cursos de Gestão, Gestão de Recursos Humanos e Informática, por exemplo, nas instituições privadas.

A lacuna de dados e a necessidade de informações prospectivas

O professor explica que, sem desconsiderar a importância das informações geradas pelo Anuário, para conhecermos efetivamente a demanda do mercado não há um sistema dedicado ao levantamento de dados sistematizados e dedicados para EPT. O ideal, segundo ele, seria um senso voltado para a EPT para que tenhamos dados mais precisos.

Por outro lado, não existe um sistema nacional para aferir as demandas de cursos da EPT. “Além disso, quando trabalhamos com ofertas de emprego, por exemplo, estamos olhando para o passado. Não há dados prospectivos”, afirma. A oferta de cursos deveria estar bem alinhada com o futuro do mercado, para dar tempo de formarmos profissionais para servirem às necessidades da sociedade quando eles saírem da educação profissional e se lançarem ao ao mundo do trabalho. Do contrário, sempre haverá um descompasso neste aspecto.

O futuro da EPT e conselhos dirigidos

Olhando para o futuro, o professor enfatiza a necessidade de adaptação na oferta de cursos da EPT, alinhando-os às rápidas mudanças no mercado de trabalho. Ele pondera que “É muito importante que gestores da Educação Profissional e Tecnológica conheçam a diversidade e a complexidade de todo este cenário. Eles devem estar sempre atentos ao que acontece do lado de fora dos mudos da escola, buscar interagir com a comunidade e com o mercado”. Assim eles vão poder planejar melhor a sua oferta e contribuir de maneira mais efetiva com o desenvolvimento do país.

Já direcionando a atenção ao jovem que vai ingressar no Ensino Médio, Professor Kenchian afirma que, “se fizer um curso técnico, ele vai associar o conhecimento científico à uma atividade laboral real”. Isso não só ajuda a consolidar o conhecimento como vai gerar uma aprendizagem muito mais significativa para ele. O jovem, neste caso, vai poder ajudar a resolver problemas reais da sociedade e vai enriquecer a sua formação. Caso ele se identifique bem com a área escolhida, poderá seguir carreira partindo para um curso superior. E, se não houver identificação, pode mudar de área. “Mas o conhecimento adquirido vai valer pra vida inteira, independente da carreira que seguir”, acrescenta.

1. Professor Garabed, com base em sua vasta experiência e no seu trabalho no Anuário Estatístico, como você vê o papel da Educação Profissional e Tecnológica no desenvolvimento socioeconômico do Brasil?

Ao contextualizar os conhecimentos científicos com prática laboral, a EPT forma cidadãos com capacidade de transformar a sociedade. Estas transformações acontecem a partir da atuação destes cidadãos qualificados em trabalhos de alta complexidade, na implementação das inovações tecnológicas nos processos produtivos bem como no empreendedorismo.

2. Considerando as tendências globais, a EPT brasileira está preparada para atender às demandas futuras do mercado de trabalho?

O Brasil tem boas experiências de oferta de educação profissional e tecnológica. Dentre estas ofertas destacamos a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, presente em todo território nacional, as redes estaduais, como o Centro Paula Souza no Estado de São Paulo, as unidades vinculadas aos serviços nacionais de aprendizagem como o SENAI e o SENAC, além da grande quantidade de unidades privadas. O grande desafio é expandir a oferta da EPT de forma a atingir uma fatia maior da população brasileira.

3. Em sua opinião, quais são os principais desafios enfrentados pela EPT no Brasil atualmente?

Como já observei, um dos desafios é a expansão da oferta, em particular nas regiões de pouca oferta ou nas regiões onde a oferta é muito menor que a demanda da população. O outro desafio é garantir que a oferta esteja adequada com a demanda regional, processo este não trivial. Começa com a criteriosa escolha de curso, que atendam as demandas regionais. Depois a implementação ou adaptação das escolas para implantação do curso, a escolha ou formação de professores e por fim garantir o permanente diálogo entre a escola e o meio produtivo, garantindo a inserção dos alunos formandos no meio produtivo, a atualização do currículo dos cursos e o desenvolvimento de pesquisa tecnológica visando melhoria dos produtos e processos das empresas.